Wednesday, November 16, 2005

Uma integração falhada

carlos vale ferraz
(um artigo de opinião, porque os funcionários do sistema estão proibidos de pensar , apenas podem reflectir os ideais do dito)

Em Paris estão a arder mais do que carros, ginásios, creches, escolas, estão a arder as ilusões de que seria possível construir na Europa e nas várias nações que a constituem harmoniosas comunidades interculturais, inter-religiosas e intersociais pela simples e rápida integração das minorias magrebinas e africanas que nela se acolheram após a Segunda Guerra Mundial e as descolonizações.

Ora, o que está a acontecer em Paris, em França e um pouco pela Europa resulta em boa parte do equívoco de os europeus terem acreditado que expiavam as suas culpas históricas recebendo grupos oriundos das comunidades que num dado momento exploraram e oprimiram, sem lhes exigir o respeito pelos seus valores e pelo ordenamento preexistente. Isto é, a política de integração activa atribuiu a esses estrangeiros os mesmos direitos do dono da casa, rejeitou a diferença entre o eu e o outro e o resultado da generosa ideia desenvolvida e praticada na Europa através das leis de emigração, de asilo e de nacionalidade, assente no princípio da adição de colheradas de produtos estranhos a uma velha sopa tradicional, foi este caldo intragável de ódios e ressentimentos.

Este resultado das políticas de integração desses grupos, conduzidas desde os anos 60, devia ter uma conclusão lógica elas falharam e há que as alterar radicalmente! E alterá-las radicalmente quer dizer pô-las em questão de alto a baixo, considerando que é preferível respeitar e assumir as diferenças do que forçar uma integração indesejada, rejeitada ou manifestamente impraticável.

A solução politicamente correcta de forçar ainda mais a mistura, tomando esta rebelião como um problema social de pobres excluídos vivendo em bairros suburbanos, que parece ser oficialmente dominante, acentuará as clivagens e as revoltas. Isto porque o problema não é a falta, em França e em muitos dos mais ricos países europeus, de subsídios a empregos e a cursos de formação, não é a falta de habitações sociais, ginásios e centros culturais, não é a falta de polícias de proximidade e de animadores que procuram integrar jovens das segundas gerações de magrebinos, designados por beur, e africanos à deriva, nem se resolve, por isso, atirando-lhe dinheiro e bons conselhos. O problema é muito mais complexo e profundo que a conversão dos jovens delinquentes em respeitadores cidadãos e a sua resolução ultrapassa em muito o âmbito das operações de reposição da ordem, isto porque o problema é de identidade e de referências. E é por ser um problema de identidade e referências que os bandos de jovens destroem indiscriminadamente o que lhes surge pela frente, pois "aquilo" não é deles.

Não adianta por isso falar-lhes em integração, porque eles vêem e sentem todos os dias, nas ruas, nos transportes públicos, nos bancos das escolas, nas esquadras de polícia, nos empregos, ou na recusa dos empregos por causa de um nome de origem "árabe" ou da cor da pele, que não são franceses, que não são europeus. E este sentimento é recíproco nos franceses e nos europeus de origem, para quem é indiferente que um magrebino ou um africano possua bilhete de identidade nacional, pois ele é sempre um outro, um beur.

A crença de que é possível a integração, de que é possível a uma comunidade esquecer ou abdicar da sua identidade histórica, genética e cultural para assumir uma outra, surge assim como uma mentira permanente, uma grosseira hipocrisia exposta e sentida tanto pelos estrangeiros como pelos autóctones.

Do que se trata agora em França e, dum modo geral, na Europa é, mais uma vez, de como lidar com comunidades que, por qualquer razão, rejeitam integrar-se. Das lutas contra hereges cátaros e albigenses, da Inquisição, da Reforma e da Contra-Reforma, do nazismo, a Europa tem nesta matéria abundante e dramática experiência para não repetir erros de conversão forçada ou de perseguição selectiva, mas não pode cair no novo erro de confundir a igualdade de todos os homens perante a lei com a anulação instantânea das suas diferenças. É preferível assumir as diferenças e regulá-las do que fazer de conta que somos todos iguais. Uma nova identidade nacional não é uma operação de cosmética, não se consegue de um dia para o outro, nem apenas através dum documento, necessita de tempo e de vontade e os acontecimentos de Paris demonstram que ainda não é o tempo e que a vontade não existe.

Até estas duas condições estarem reunidas é necessário controlar a devastação e regular uma separação de comum acordo, pois não é possível constituir novas realidades nacionais e europeias com aqueles que rejeitam as suas matrizes culturais, o seu ordenamento jurídico, os seus valores, a sua visão do mundo. Com aqueles que são estrangeiros ao processo histórico que fez da Europa aquilo que ela é. Com aqueles que procuram, mesmo inconscientemente, uma vingança histórica contra o que os europeus lhes fizeram nos últimos mil anos, das cruzadas à escravatura e ao colonialismo.

Para que a convivência seja possível e pacífica devemos saber que para ter as portas abertas temos de manter levantadas as paredes que as sustentam.

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