“O tempo e o modo da mudança portuguesa é, no fundo, camponês.”
O tempo e o modo de mudança portugueses é camponesíssimo sem que o “issimo” constitua aqui qualquer exagero. Não podemos fazer generalizações… mas, após o ultimo referendo ao aborto conclui que apenas me considero concidadã de apenas 2 dos 10 milhões de portugueses residentes neste país. Os restantes portugueses transpuseram linearmente a lógica pré-democracia para aquilo que se pode considerar a arena do mundo pos-moderno. Os portugueses não tiveram modernismo para amadurecer a consciência cívica, a honestidade mental (ainda dominada pelos fantasmas da moral católica) e o respeito pela vida alheia. A única coisa que conhecem é a ditadura do pensamento único, a crença cega em tudo o que ouvem da boca de senhores que se vestem e penteiam tão bem e que ainda por cima falam com palavras caras na televisão .. conhecem também a beatice social a condenação da conduta do outro como forma de auto-promoção quando na realidade o que se passa é tão simplesmente aquilo que começou por afirmar no inicio do seu texto : "Eles matam o touro na arena, nós nos bastidores". É assim com quase tudo em Portugal, é precisamente por isso que o país consegue estar integrado numa união transnacional europeia, e fa-lo ocultando os podres e a real miséria mental de grande parte do povo português que há apenas uma geração aprendeu democraticamente a ler e ultrapassou a mediocridade do ensino primário….
Quanto à temática da despenalização do aborto continuar-se-á na mesma lógica hipócrita com que o nosso sistema de saúde beneficia os utentes de oftalmologia ou de estomatologia com a diferença de que as 10 semanas de gestação não poderão esperar 2 anos por uma consulta no sistema de saúde público.
Eu votei sim porque acredito na humanização e no desenvolvimento do ser humano em busca de um maior auto-controlo e harmonia entre de si próprio como individuo, entre si e a sociedade e entre a sociedade e do planeta. Votei sim porque sou contra a hipocrisia e a favor do respeito da individualidade de cada um. Votei sim porque considero uma violação do corpo de outrem a obrigatoriedade de gerar algo que não se deseja.
Votei sim porque discordo de autoritarismos semelhantes ao de Nicolae ceausescu , defensor do feto como propriedade do estado social condenando milhares de mulheres ao cárcere e à morte por aborto ilegal. Votei sim por toda uma panóplia de motivos que considero estruturantes da dignidade humana, de saúde individual e social, e em ultima instância de manutenção ecológica e sustentável do próprio planeta. No entanto a lógica que vejo avizinhar-se perante esta aceitação não resolverá o real problema do aborto mas continuará a gerar dinheiro fácil para as classes de sempre.
Ao fim ao cabo o que pude aprender mais uma vez com tudo isto é que vivo no país errado onde as perguntas e as respostas certas servem de isco para as politicas desejáveis das classes privilegiadas. Concluo assim que vivo entre pessoas erradas que elegem governos errados para fazerem leis hipócritas para inglês ver e para ficar bem nas estatísticas da união. wow , fantástico , entrámos finalmente no mapa dos países desenvolvidos mas de mascara na cara porque o nosso desenvolvimento legal não espelha a realidade social.
O sim e o não foram neste referendo uma faca de dois gumes para a manutenção de uma mediocridade que o governo não pretende resolver… aliás, é impossível resolver quando a questão da saúde portuguesa se situa numa lista de prioridades depois dos escandalosos casos de corrupção, da dissolução dos farfalhudos ordenados e pensões dos altos cargos públicos, das grandes obras e empreitadas tal como foram os estádios do euro e como será o aeroporto da Ota ou a terceira ponte lisboeta sobre o rio Tejo entre tantas outras coisas que não chegam à praça publica.
Em resumo e como forma de terminar toda esta tessitura sobre o meu desagrado para com este país e com esta nação, considero, mesmo correndo riscos de ser mal interpretada, que grande parte da moral existe como um livro de instruções mentais escrito pela classe dominante e imposta á classe dominada. A moral quando construída fora do ser : primeiro: não tem sentido, segundo, não se cumpre, terceiro oculta o vício e a verdade.
Por isso pura e simplesmente não sigo morais alheias, construo a minha própria moral com o direito que a sociedade onde resido me concedeu, o de viver, pensar e ser individualmente e construir a minha individualidade em conjunto com o outro…. A única coisa que me faz sentir infeliz é que esse outro igualmente livre ainda existe em muito pequeno numero sobre a coerção desta moralzinha autoritária.