Friday, May 19, 2006

Sócrates: falhar com competência





João César das Neves Professor universitário

O actual Governo está em funções há mais de um ano e já é possível avaliar a sua actuação face à crise nacional. A conclusão é clara: a equipa de José Sócrates é séria, exigente, ambiciosa. Não vai conseguir nada, mas falhará com grande competência. O fiasco político, apesar das excelentes aptidões, vem de o Governo ainda não ter percebido a dimensão do verdadeiro problema nacional: a despesa pública esmaga a economia.

O Executivo está a tomar medidas certas e corajosas, como agora na Segurança Social. Fazem-se correcções inteligentes, ajustam-se aspectos importantes, colocam-se os processos no bom caminho. Se tais reformas tivessem sido feitas há dez anos, a crise nunca se teria declarado.

Hoje, porém, são tardias e tímidas. A casa está a arder, e o Governo encomenda extintores e toma a decisão firme de abrir as janelas porque lhe tem cheirado a fumo. Será que, sendo tão competente, não entendeu isto? José Sócrates sabe que o País está à beira do precipício; está consciente da necessidade de vencer o obstáculo e pronto para o grande esforço de saltar por cima do abismo. Até entrevê a situação benigna que nos espera do outro lado. Mas tomou a decisão prudente de só saltar até meio, para transpor a distância em dois saltos. Isto é assim desde o início. Sócrates chegou ao poder com o propósito aberto de fazer retomar a economia e a confiança aos portugueses.

A primeira medida que tomou foi subir o IVA para 21% e deu cabo de tudo. Disse que a subida era imposta pelas exigências do défice orçamental. Mas se é assim, então o primeiro-ministro não percebeu que esses 6% não são mais graves que os 39% que são pagos por impostos e mais os 5% que vêm de outras vias.

O verdadeiro problema que paralisa o País não é o défice acima dos 3% do PIB, mas o total da despesa pública, que é já metade do produto nacional, boa parte dela de esbanjamento de recursos. Por isso, cada vez que aumenta o fisco, o Governo reduz o défice mas agrava o desequilíbrio, pois desculpa e confirma os gastos e adia a sua correcção. Ao subir o IVA, Sócrates pode ter comprometido a solução do País para os próximos anos. Isso era, aliás, o que o competente candidato José Sócrates tinha compreendido na campanha eleitoral, prometendo por isso não aumentar impostos.

O Executivo parece o elefante que, depois de pisar uma perdiz, foi cheio de remorsos sentar-se no ninho para ajudar a chocar os ovos. O peso morto dos gastos públicos leva Portugal a perder competitividade ininterruptamente há mais de dez anos. Perante isso o Governo não reduz a carga, mas decide fazer o choque tecnológico, a Ota e o TGV, gastando nisso ainda mais dinheiro. É como se o elefante sentado no ninho tentasse piar como uma perdiz. O senhor primeiro-ministro ainda não viu, pois, que o único problema do País é ele. Não tem obviamente a culpa, mas sem dúvida que a responsabilidade é sua.

Neste momento em Portugal todos os sectores que dependem do Estado, directamente (funcionalismo, educação, saúde, justiça, pensionistas, obras públicas, etc.) ou indirectamente (energia, transportes, banca, telecomunicações, distribuição, etc.), vivem razoavelmente. Alguns até estão prósperos e fazem-se OPA mútuas. Pelo contrário, o resto da economia, que paga a primeira, é esmagado entre o peso crescente do Estado e a concorrência internacional. Ainda vegeta graças ao trabalho barato dos ucranianos, ao desenrascanço proverbial dos portugueses e ao endividamento explosivo no exterior. Perante isto, o Governo fala em reforma, e até toma medidas, mas nunca suficientes. Sucedem-se os diagnósticos, relatórios, comissões, planos, pacotes. Todos são lúcidos, realistas, decisivos e empenhados na mudança.

A cada momento se revela bem a competência de cada ministo e o seu domínio dos sectores que tutela. Entendem bem os pormenores, mas nunca abordam o cerne da questão e avançam com seriedade e rigor para o abismo. Nesse caminho dizem ver já sinais de recuperação. Portugal está como o homem que caiu do arranha-céus e quando, a meio da descida, um amigo da janela lhe pergunta como está, ele responde: "Até agora, tudo bem!" Se o Governo não apertar mais, quando no futuro se olhar para este tempo, e se analisarem os mandatos de António Guterres, que nos meteu no sarilho, de Durão Barroso e Santana Lopes, que passaram ao lado, a História dirá que, dos primeiros-ministros incapazes, José Sócrates era indiscutivelmente o mais competente.

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