Certo dia, um anjo da guarda, cansado da vida fastidiosa de arredar rapaziada dos vícios inconfessáveis (bebida, jogo, mulheres, etc.), resolveu fazer um Master in Business Angels (MBA).
Tinha a expectativa de que esta formação lhe permitisse acompanhar em novas actividades aqueles que já vigiava – acalentando a teoria de que os vícios inconfessáveis levam pessoas de confiança a abusarem da mesma, roubando (por exemplo, dentro das empresas).
Mas tinha também a expectativa, mais utilitarista , de que poderia aumentar os seus créditos e ter acesso a povoar objectos que sempre desejara: um carro de santo – um Volvo P1800 -, um relógio divino - um Patek Philippe Sky Moon - e uma caneta dos diabos – uma Michael Fultz Snake.
O MBA era composto por dois semestres: o primeiro tratava das actividades de guarda dos recursos das empresas – activos e pessoas; e o segundo debruçava-se sobre a custódia do ciclo de produção, desde as compras até às vendas. Quem quisesse aceder ao grau de mestre teria ainda que entregar, no ano seguinte, uma dissertação versando «o sexo dos anjos e o mundo dos negócios».
No primeiro semestre, o anjo inscreveu-se em quatro cadeiras:
«Roubo de activos»;
«Uso impróprio de activos»;
«Apropriação de salários»;
«Inflação de despesas de representação».
Na cadeira «Roubo de activos», começou por aprender como os equipamentos de escritório (ou outros, como as ferramentas das oficinas) – computadores, impressoras, cadeiras, secretárias, candeeiros, telefones, armários, tapetes persa, etc. – podiam ganhar asas e desaparecer sem deixar rasto (a este respeito estudou afincadamente as distracções ao nível da identificação destes activos, em etiquetas e constante de listagens exaustivas, e da sua contagem periódica). Do imobilizado passou, posteriormente, para as existências (da matéria prima ao produto acabado), abordando desde o simples roubo (que podia iniciar-se com o ritual prévio e mais inocente de esconder bens, antes de lhe dar o sumiço definitivo) às transferências para outros armazéns (nunca chegando a dar entrada, física, do outro lado), passando por falsas classificações de inventário – incluindo indicações de «para destruir» ou «fora de prazo» (que fundamentavam o seu desaparecimento posterior) – e pela inevitável aquisição de conhecimentos contabilísticos necessários à conformidade entre o mundo real e os livros (diga-se, a este respeito, que a conta de provisões para depreciação de existências era de grande utilidade quando se tratava de fazer os acertos entre débitos e créditos).
Em sede de «Uso impróprio de activos», o anjo aprendeu que os terrenos, os edifícios e os equipamentos de uma organização podem ser colocados ao serviço de interesses alheios, incluindo, pasme-se, da concorrência. Do pequeno pecado, como o utilizar certas viaturas durante o fim-de-semana, ao pecado capital, como o «alugar» secretamente (indo o dinheiro do aluguer directamente para os bolsos do abusador de confiança) instalações fabris à concorrência, viu toda a panóplia.
Nas aulas de «Apropriação de salários», o anjo descobriu que havia quem adicionasse empregados inexistentes à folha de salários (falsificando nomes e números de contribuinte e da Segurança Social), recebendo assim soldos alheios (através de transferências para conta bancária do abusador de confiança), ou que, com maior facilidade, aldrabasse as horas trabalhadas (sobretudo as extraordinárias) e as taxas horárias, bem como os prémios de vendas e de produtividade - algoritmos ou indicadores optimistas para calcular as comissões dos vendedores ou os prémios dos operários; horas normais classificadas como sendo extraordinárias (pagas em dobro); e dias de férias ou faltas não contabilizados, bem como horas de trabalho inflacionadas, com base em manipulações de relógios de ponto (dizia-se que circulavam dedos cortados embalsamados para contornar a tecnologia baseada em impressões digitais e que se ia iniciar o comércio de olhos, para os leitores de íris – mas devia ser exagero).
Finalmente, ainda no âmbito do primeiro semestre, o anjo abordou uma matéria que já conhecia das suas missões de vigilância de vícios – «Inflação com despesas de representação». Recordou então como se transformavam facturas pessoais (como jantares com amigos) em facturas profissionais; como se rasuravam recibos (transformando-os em quantias superiores); como se compravam dois bilhetes de avião ou de comboio, um caro e um barato, apresentando a factura do primeiro (que era o que se anulava para viajar com o segundo); e desenvolveu um trabalho de grupo sobre facturas falsas, em branco e duplicadas (ou em que se apresenta o original e o «químico»).
O segundo semestre veio a revelar-se o mais fascinante dos dois, em virtude das coisas ainda mais inimagináveis que foram aprendidas. O anjo inscreveu-se nas restantes quatro cadeiras: «Transferências para fornecedores»;
«Compras para uso próprio»;
«Vendas fantasma»;
«Desvios de tesouraria»
– e empreendeu uma viagem magnífica ao mundo do faz de conta...
Primeira paragem:
«Transferên-cias para fornecedores» - ou como os empregados transferem fundos para fornecedores seus cúmplices, via mecanismos de auto-aprovação das despesas (com preços de tabela ou com lucro anormal para partilhar); e como (agora com fornecedores legítimos) fazem pagamentos em duplicado para que a devolução de um deles vá parar aos seus bolsos e não aos da empresa.
Segunda paragem: «Compras para uso próprio» – ou como se compra com o dinheiro da empresa bens para uso próprio ou para revenda (através de manipulação ou falsificação de requisições) e como se obtém cash com a devolução de alguns itens assim adquiridos.
Penúltima paragem: «Vendas fantasma» – ou como se fica com o dinheiro das vendas que nem sequer se chegam a registar (quem é que dá pela falta de um ou dois whiskys numa garrafa?), bem como o «troco» das devoluções (totais ou de parte do preço) que afinal não existiriam.
Última paragem – a mãe de todas as tentações: «Os desvios de tesouraria» – ou como se rouba dinheiro da caixa e se fica com os cheques que é suposto depositar, mesmo que para isso se tenham que reportar roubos de terceiros.
O fim do MBA foi comemorado com um faustoso jantar. Mas a coisa correu mal... Os professores encomendaram um jantar para 500 pessoas, quando eram apenas 100. Uma parte das «sobras» foi directamente para o bolso dos fornecedores, a outra para os empregados destes - que se encarregaram de devolver uma parcela aos educadores - e a outra recheou as dispensas das mulheres dos pedagogos, em géneros. Para pagar o jantar, foram recolhidas as comparticipações dos alunos e posteriormente desviadas para os bolsos dos entendidos. O jantar acabou por se transformar num bordel, aberto a prostituição externa, comissionada pelos regentes. No fim, desapareceram todos os adereços. Naturalmente que os ensinadores pagaram tudo isto através de despesas de representação! Só passados uns dias os instrutores se arrependeram do que fizeram: quando verificaram que o reitor tinha desviado todo o dinheiro dos seus salários para pagamento dos prejuízos decorrentes da barafunda...
O anjo adorou fazer este MBA. Fora frutuoso e rápido. Muito mais rápido do que o outro MBA que um amigo seu do sector financeiro lhe recomendara - mas que se prolongava por cinco anos – o Master in Banking Angels. Naturalmente, este último, pela dimensão, não se conseguirá explicar aqui – mas que os butins são grandes, são!
in: http://www.negocios.pt/default.asp?CpContentId=260422
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